APENAS SOMBRAS ENTRE NÓS
Deixa que me dispa do tempo que me pertence para que possa ver-te integral junto de mim naquele aconchego próprio de quem aspira ao renascer do indelével amor que partilhámos. Tu foste para mim a Euridice de um velho sonho numa história que ingenuamente começou e os dias, as noites e as horas que recontei construíram aquela única e admirável aventura. Eu fui para ti, sim, aquele Orfeu intemporal que na sua insignificância romanesca julgou ser possível alcançar a donzela longínqua que habitava para lá do mar. Muitos foram os sonhos embalados num berço mágico de humana ambição mas rude foi o destino que projectou contra mim os mais cruéis escolhos. Perdi-me nas veredas sombrias do teu horizonte sem conseguir verdadeiramente encontrar-te e hoje apenas vejo as marcas insondáveis dos orfeus menores que sempre te cortejaram. Do amor que em nós um dia se esboçou, virtualmente crescido entre cardos inúteis, onde está, podes dizer-me, o cerne da alma que me poderá fazer regressar ao caminho? E tu, Euridice, que revolveste minha estória com a linha mágica do teu corpo e ilusão, que resposta me darás quando ao acordar eu encarar novamente o fúlgido labirinto? O tempo e o mar são os intoleráveis inimigos que entre nós selvaticamente se plantaram e, por mais clara e solarenga que seja a aurora, manter-se-ão as indesejáveis neblinas. Não sei se a nossa história se reencontrou e se o sentimento que lançaste fora de ti ainda é o mesmo do nosso tempo original... Diz-me, Euridice, Orfeu poderá voltar ? Frassino Machado In AS JANELAS DA ALMA
FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 15/05/2008
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