O DOIDO E A SORTE
“Parafraseando Raul Brandão” - (*)
Ode «Tragicomédia-Pandémica» (**) Intervenientes: A, Administrador; D, Doido; l, Lucas; L, Lucrécia; C, Coronel …………… A - Eu hoje estou super-inspirado E tudo, tudo mesmo, me sorri: A manhã, o céu, a musa e o fado… - Ó Lucas, ó Lucas, se vier alguém, Eu não estou para ninguém Faço de conta que não ouvi! (Toca a campainha) – A - Ó que azarado! l - Sr. Administrador… é o Sr. Milhões! A - Quem? O tal dos mil e um tostões… É isso de qu´ eu estou precisado. Não sei se é Sorte ou s´ é Azar… - Manda lá, manda lá entrar! (Entra o Sr. Milhões com uma maleta Que coloca no meio da sala). D - Tenha a bondade de se sentar. Ponhamos de lado a converseta E vamos direitos à justa fala… A - Acho que o conheço d´ algum lado! D - O Senhor sabe O que está aqui dentro? A - O que é? Tire-me desta impaciência Pelo que sinto o negócio é grave… D - Sim, é Grave. Digo-lho de momento: - Trata-se da SORTE e, nela, a chave… Não é “negócio” … é a Providência! - Há muito tempo que o admiro… A - Tenho por si a maior consideração E, da minha estima, nada retiro! (E, sem cautelas nem avatares, Ia pontapeando a caixa-perdição…) D - Cuidado! Podemos ir todos pelos ares! A - Oh, meu caro amigo, como vê Estou cumprindo minhas Competências!... D - Certo, a maior de todas as tragédias Vai acontecer comigo e com você: Vamos estoirar dentro de vinte minutos E já nem importam nossas Referências! - Ali… está o maior dos explosivos, «SARS COV 2, Vacina-viral» Contra todos os males nocivos, A começar por nós, com´ é natural: Vou eu, vai você, vai o prédio, Vai o bairro e toda a Capital!... - Basta carregar nesta campainha E para ninguém fica remédio: «SARS COV 2, a Vacina… A - VIRAL! Isto vai ser uma chacina! - Ó Lucas! Ó Lucas! Que pantomina! D - Chame o Lucas e quem você quiser! - Chame todos os batalhões da cidade - SARS COV 2, Vacina-viral… - Saiu-lhe a Sorte de ficar salvo, afinal Você com toda a Liberdade Salvar-se-á a si, a mim e ao mundo Com este Antídoto profundo… … - Nós ainda não nos explicamos: Temos tempo, temos muito tempo! A - Mas, em que é que nós ficamos… Eu ainda não fiz meu testamento... Ó Lucas, anda ao menos ao postigo! D - Eu escolhi-o para morrer comigo… A - Está incomodado? Toma uma bebida? Ó Lucas, traz uma garrafa de água, Ou… pretende um bom digestivo? D - Não pretendo nada. O maior objectivo: Nós e o SARS COV 2, sem trégua… Eu escolhi-o para morrer comigo… A - Ó Lucas, ele é mesmo muito doido! D - SARS COV 2, nada de atrapalhações. Se sair daqui trrim… trrim, tudo acabado SARS COV 2. Acabam-se as irritações! A - Ó Lucas, eu não quero morrer estoirado… Posso ir fazer o que tenho a fazer?... D - Sou imperador, sou rei, sou Deus! Se tem pressa faça no outro mundo… Você, está lamentando os erros seus? Esse é qu´ é seu mal profundo… O que diferencia um Herói dum canalha É esta cinza-lodo da escumalha! A - Ó Lucas! Ele está um doido varrido… D - Se sair daqui trrim…, e ninguém foge. SARS COV 2. Acabam-se as irritações! O que eleva as Heroicidades de hoje É aniquilar o maior número de homens… Estatísticas, meu caro, estatísticas… Trrim…, e acabam-se as más acções! A - Ai Jesus! Ai Jesus! Ai Jesus… D - Destruo uma Cidade e todo um povo! A – Mas… ó meu caro Sr. Milhões, O Senhor ainda não se explicou… D - É verdade, mas vou dar-lhe uma luz: Aqui há tempos, passeando no quintal, Senti abrirem-se-me os segundos olhos… A - Os?! D - Os da Alma. Vi de repente o mundo, Não como todos os vêem – etc. e tal – Mas como ele É na realidade: Para o destruir… basta a minha vontade! SARS COV 2. Vão-se as preocupações! A - O Senhor é Doido! Ainda pode ser feliz… O senhor ainda se vai arrepender, Deixe-se lá dessas lucubrações: O Senhor não ouve tocar lá em cima? D - Já sente as suas barbas a arder? A - Perdão, meu caro Senhor, perdão. Eu não estou preparado pra morrer. Chamei-lhe Doido, mas sem razão… Eu é que já estou a endoidecer! O Senhor não ouve tocar lá em cima? E eu a julgar que me tinham estima! …… D - Antes de mais é preciso que m´ entenda: Eu, sou eu, um amigo da Humanidade… Num gesto só, desaparece toda a raça, Acabam os crimes, a miséria e a fealdade… Suprimo de vez a morte e a desgraça E, no seu lugar, apenas, a SORTE… SARS COV 2, nada de irritações!... A - Previno o Senhor de que isto é um crime – Artº 343º do Código Penal – Vamos, vamos, o senhor ´stá em desvario, Acabemos co´ estas aflições… Eu é que já ´stou... um Doido varrido! Ó Lucas!... Ó Lucrécia, acudam! Ao menos outra morte… estoirado não! D - No Cosmos, nas Nuvens, que mais quer? A - Quero enterro digno de Administrador Geral… D - Neste pobre Mundo tudo está a mudar, Até o ser homem ou ser mulher (?)… A propósito, chame lá o Lucas, a Lucrécia, Se é que algum deles inda lhe é útil… A - Ó Lucrécia, aquela BOMBA, ali… Trrim! Trrim! Acaba-se tudo: Tragédia! Tu disseste se eu morresse, comigo morrerias… L - Disse e digo, mas… e as mordomias? Quem cuidará de nossos filhos? A Sorte? Dela, ninguém se fie. Experimentem! Eu sou católica, apostólica, romana, Eu sigo à risca a minha religião… Morrer queimada, não, isso não, Acima de tudo… porque sou humana! D - Caro Senhor, cá tem o que são as mulheres… Bela vida, vaidades… nisso são eternas, Mas, quando sentem a vida em risco… SARS COV 2, e afins, largam afazeres E raspam-se co´ o rabo entre as pernas… O Valor humano não passa de um Cisco! A - Ó Lucas, ó Lucas, ó Lucas!... (Entra o Lucas, um fiscal e um coronel…) - É ali naquela Caixa… a BOMBA! C - Mas oh, surpresa!... Bestial surpresa: Dentro da Caixa… há só Papel!… A - Ah! Grande filho duma… Vilaneza! Senhor Coronel, mande limpar a casa Que este Vilão veio infectar E que não volte a ganhar asa Para de novo poder entrar… C - Mas… inda bem que veio este, O OUTRO, nem com um Superteste! A - MONKEYPOX 22, te arrenego, Fora desta casa a sete pés… E, nem que eu seja surdo e cego, Não te admito, nem no meu convés! Para tal, eu tenho poder e Valor Ou não seja EU Administrador! E tu, ó Lucas, e tu, Lucrécia, Vós sois a minha Frustração… Assim, por todos estes dissabores Por esta vilaneza e audácia, Ficareis sem a vossa Pensão… Até vos fartardes de Horrores! Frassino Machado In ODIRONIAS (*) – Na Peça Teatral “O Doido e a Morte”, de 1923, representada a 1ª vez, em S. Carlos em 1927. (**) – Dedicada a todos os honestos Administradores e ao Coronel Rui Telo
FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 26/05/2022
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