O SONHO DE ABRIL
- Antologia Poética -
«1974 – 2020» TANTO DE ABRIL PARA SE DIZER TANTO DE ABRIL PARA SE PENSAR TANTO DE ABRIL PARA SE FAZER OU … VALERÁ A PENA ACREDITAR? Frassino Machado Lisboa 2020 *** ABRIL, QUEM TE VIU E QUEM TE VÊ «Ao 25 de Abril de 2019» Ó Abril, ó Abril, quem te viu e quem te vê! Tu eras um ditoso sonho de encantar E, agora, desdenham-te sem saber porquê E, se falam de ti, é apenas por falar… Tu foste aquele sonho de um País florido, Tu foste a nobre aposta de justa liberdade, Projecto de bem-estar jurado e garantido Numa aurora de clara luz e de igualdade. Mas hoje, Abril, Abril, onde é que tu estás? Eu vi-te, criança sorridente de mãos dadas, E tu que foste alegria em claras madrugadas Porque és agora nevoeiro p´ las manhãs? Os teus filhos, Abril, cantaram-te em baladas, Que serviram de alento nas tuas horas más, Mas que hoje são apenas elegias vãs Das esperanças vazias e abandonadas… Ó Abril, ó Abril, onde estão os teus heróis, Aqueles heróis que arriscaram por ti a vida? Ó louco Abril clareia-nos a alma doutros sóis Num corpo de uma Pátria forte e renascida! Frassino Machado In JANELAS DA ALMA * EI-LOS QUE PASSAM Ei-los que passam, dia após dia, Andar pesado, sem alegria, Faces queimadas ao sol do Verão Suor, amargo, sabor de pão. Aldeias, vilas, cidades, Arranha-céus a crescer, E os homens seus construtores Em cabanas vão viver! Cimento e pedras, baldes de areia, Máquinas roucas, voz de sereia, Vidas suspensas de andaimes altos Olhando o mundo em sobressaltos. Aldeias, vilas, cidades, Arranha-céus a crescer, E os homens seus construtores Em cabanas vão viver! De olhos tristes, filhos e pais, Ao fim do dia não podem mais, E em cada noite o sonho traz Sempre uma esperança que o sol desfaz… Aldeias, vilas, cidades, Arranha-céus a crescer, E os homens seus construtores Em cabanas vão viver! Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * ABRIL – SAUDADE “Aos vendilhões de Abril” “Foi você que pediu Abril? Não sei bem mesmo porquê Nem me lembro o que isso é. Mas s´ é assunto tão febril Isso é lá com ele e você!” Nós é que pedimos Abril Pois já temos dele saudade E de um país de qualidade, Quem o não sente é senil E não tem sensibilidade… Vós, porém, sois vendilhões E gozais de privilégios, Como se fosseis egrégios. E nós, cheios de ilusões, Perdemos os sortilégios. Vendestes nossos direitos, Rasgastes nossas conquistas E, à laia de fogo de vistas, Engalanais vossos preitos Com discursos elitistas. Vendestes aos vis credores A justiça e a educação, E até a Constituição, Ficando nós devedores De uma Crise sem razão. Vendestes a saúde e as leis, As escolas e hospitais, Para amealhar capitais E nós, cidadãos fiéis, Com uns trocos virtuais. Vendestes os operários, Os projectos e as pensões, Toda a alma e corações, E nós, com ideais primários, Embalaremos gerações. Vendestes nossas baladas E nossos cantares de outrora E, felizes, vindes agora, Em escuras alvoradas, Colocar o Abril lá fora. Vós, vendilhões afamados, Nessa Casa da Oratória, Respirais virtude notória Nos cadeirais instalados Da esplanada da história. Temos, sim, muita saudade E queremos recuperar, O que o Sonho reclamar, Nas asas da liberdade De um Abril que há-de voltar! Frassino Machado In RODA-VIVA POESIA * DAR A MÃO À LIBERDADE Se ao poder que impera Uma fúria resiste, Se a chegada é espera De um amigo que existe. Se uma boca se abre E uma chama se acende, É a razão da verdade Que o homem pretende! Vamos, amigos, quebrar mil vidraças, Saciar de paz a fome das raças. Olhar sempre em frente, sem medo, De dar a mão à Liberdade! Alertar é urgência P’ ra quem é instalado, Expulsar a inocência De quem ‘stá parado. Informar se pretende, A quem s´ está a esquecer, De que existe no mundo Uma vida a viver! Vamos, amigos, quebrar mil vidraças, Saciar de paz a fome das raças. Olhar sempre em frente, sem medo, De dar a mão à Liberdade! Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * ALELUIA, CANTEMOS TODOS “Aos ressuscitados de boa vontade” Aleluia, aleluia, sempre e em bons modos, Com o maior prazer das nossas vidas Esqueçamos, porém, todas as feridas De tão desventuradas farsas pra nós todos. Aleluia, aleluia, oh, cante-se bem, Aleluia, este é o nosso dever Aleluia, não devemos esquecer Que estas fortunas não enriquecem ninguém. Devemos, doravante, aleluia usufruir Sem nunca renegar as liberdades E nunca prescindir dos nossos pergaminhos. Aleluias e hossanas, vamos distribuir Em cada dia e em todas as idades Para que a luz de Abril nos mostre seus caminhos… E se for necessário ressurgir de novo Cantemos aleluias com o Povo! Frassino Machado In RODA-VIVA POESIA * POEMA DO CÁRCERE Trazes-me rosas vermelhas, Sangue dos rios que correm, Se um homem mata outro homem São duas vidas que morrem. Trazes-me rosas singelas, Mas deixas o sol na rua, A esperança das grades negras É ver o sol ou a lua. Trazes-me rosas cortadas, Podem entrar sem favor, Tu tens de ficar à porta Só porque és meu amor. Trazes-me rosas, p’ ra quê? Vão murchar, cair no chão: As rosas não fazem crimes P’ ra vir morrer na prisão! Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * ALGUÉM VIU ABRIL? “Aos desiludidos do 25 de Abril” Anda perdido o Abril Ninguém sabe onde ele está Há incertezas, mais de mil, Se alguém o viu, quem será? Ai Abril, terna paixão, Tantos «sims» ambicionados E agora de “não” em “não” Há cidadãos angustiados. Ouve-se pouco o teu canto E, em sua vez, o impropério, Os ideais perderam encanto Cada evento é um mistério. Abril, eu já te não sinto, O meu coração está frio Teu futuro é um labirinto A galopar num vazio. Abril, eu clamo por ti, Vai-se o eco tão veloz, Em nenhum rosto te vi Muito menos a tua voz. Alguém viu Abril, alguém? Pois não, que já é nevoeiro. E a vil palavra NINGUÉM É o seu eco derradeiro! Frassino Machado In ODISSEIA DA ALMA * ECCE ABRIL “Ai dos sofridos, coitados” Depois de todos os IDEAIS mais suspirados, Depois de todas as CANÇÕES mais que cantadas; Depois de todos os percursos realizados, Depois de todas as virtudes embandeiradas; Depois de todos os direitos conquistados, Depois de todas as razões justificadas; Depois de todos os projectos estruturados, Depois de todas as reformas cimentadas; Depois de todos os acordos enunciados, Depois de todas as alianças ajustadas; Depois de todos os motivos propalados, Depois de todas as apostas conjugadas; Depois de todos os horizontes apontados, Depois de todas as etapas reclamadas; Depois de todos os valores consagrados, Depois de todas as partilhas esgotadas; Onde está o ABRIL prometido? Ecce ABRIL, Abril vencido! Frassino Machado In MUSA VIAJANTE * MEU CORAÇÃO DE ABRIL Coração de Abril plantado No peito do meu País Estás de rastos, derrubado, Sangrando da cicatriz… Cicatriz na própria terra Assemelhando um deserto Num futuro que desterra P´ lo seu horizonte incerto. Cicatriz na natureza Nos animais e nas flores E num sorriso de tristeza Na solidão dos amores. Cicatriz na juventude, Que está lá fora cá dentro, Nos idosos sem saúde E na ´sprança do sentimento. Cicatriz na vida activa E na dor do desemprego Com os sonhos à deriva Sem arrimo nem sossego. Cicatriz na educação, Na cultura que s´ estiola Na reduzida instrução Sem igreja e sem escola. Cicatriz no olhar vazio Vagueando na descrença Com a alma ao desvario Nas sendas da desavença. Cicatriz na segurança, Na justiça e na fazenda, Governos em contradança Sem ideias nem emenda. Cicatriz nas emoções, Nas aldeias e na cidade, Rareando as Instituições Garantes de liberdade. Cicatriz na auto-estima, Nos valores congelados, Tradição que não confirma A aura dos antepassados. Cicatriz de Abril ´sgotado Sem memória nem espaço Num solo pátrio esmagado Sem forças para um abraço. Ó meu coração de Abril Caído na noite escura Foste forte e agora és frágil Nesta Nação insegura! Frassino Machado In JANELAS DA ALMA * COZINHEIRO DO TEMPO Fui ao grande hotel da vila Pedi um prato de paz: Ai! Comi guerra guarnecida Com cabeça de rapaz... Fui ao grande hotel da vida Pedi um prato de esperança: Ai! Comi raiva guarnecida Com corações de criança! Ó cozinheiro do Tempo, Se não aprendes mais nada, Serás um dia alimento Nos dentes de uma granada! Fui ao grande hotel da roda Pedi vinho do tonel: Ai! Bebi petróleo da moda Com sabor à “maître-hotel”... Fui ao grande hotel ´splanada Pedi valsa e coquetéis: Levei bomba misturada Com silvos de cascavéis! Ó cozinheiro do Tempo… Fui ao grande hotel Paraíso Pedi néctar de bom gosto: Bebi sangue caldeado Com ódios em cada rosto... Fui ao grande hotel do mundo Pedi para o visitar: Vi o povo lá no fundo E a burguesia a reinar! Ó cozinheiro do Tempo… Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * O GRANDE DESAFIO Ou «A troca de Armas por Cravos» Armas são armas, instrumentos de poder Que saem da nefasta mão de um predador; Flores são flores, revelação do Criador Para a Mãe-Natureza se enriquecer. Dois manifestos relativos de grão valor: Um, é produto da ganância e do Ter Outro, é produto do privilégio do Ser, Reivindicando ambos todo o seu vigor. O primeiro é prerrogativa da existência Em que o homem se faz actor do próprio agir; O segundo é prerrogativa daquela essência Em que se vê a humana alma a refulgir. P´ las armas tem-se a via da confrontação, Paredes meias com o ódio e co´ a fealdade; P´ las flores tem-se a via da contemplação, Manifestando-se nelas beleza e dignidade … É este o desafio que a Razão pondera: «Troca d´ armas por Cravos» é Bem e não quimera! Frassino Machado In ODISSEIA DA ALMA * SAUDEMOS ABRIL “À memória de Salgueiro Maia” Abril, saudemos Abril Com o calor da nossa voz, Abril, cantemos Abril Aqui bem dentro de nós! Vinte e cinco foi o Dia Em que Abril regurgitou Com ele a Democracia Para sempre triunfou. Veio à luz na madrugada Pela força dos Capitães Este país, não sendo nada, Logrou o melhor dos bens. A esperança amortecida Alcançou força vital Na alma de nova vida Para este Portugal. Foi o Cravo uma bandeira Que o próprio povo escolheu De uma forma bem ordeira Outra esperança renasceu. Renasceu a Liberdade, A Justiça e a Educação, A saúde em toda a idade E o sonho de melhor pão. Findou a guerra maldita Fugiram os predadores Mas, para nossa desdita, Ficaram os exploradores. Alguns decénios passaram Da gloriosa Revolução E só Saudades ficaram Na alma desta Nação. Nosso povo adormecido Tem as forças minguadas Pelo caminho percorrido E expectativas falhadas. Há por aí quem se contente Com riquezas acumuladas Mas os direitos da gente Foram-se em águas passadas. O sonho do povo voou Num horizonte em deslize E alguém se aproveitou Por entre nuvens de crise. Ó vós, deste País os tiranos, Que o digno Abril desprezais, Pagareis daqui a uns anos O preço que ora cobrais… Abril, saudemos Abril Com o calor da nossa voz, Abril, cantemos Abril Aqui bem dentro de nós! Frassino Machado In RODA-VIVA POESIA * MINHA TRIBO Ensinaram-me coisas Tiraram-me loisas, Loisas e coisas que tinha, Só me deixaram a tribo Esta tribo que é minha... Minha tribo, Liberdade, Minha tribo, Liberdade, Eu já não quero saber Eu já não quero saber Da minha antiga cidade! Levaram-me terras Tiraram-me as serras, Serras e terras que tinha, Só me deixaram a tribo Esta tribo que é minha... Minha tribo, Liberdade... Ceifaram os milhos Tiraram-me os filhos, Filhos e milhos que tinha, Só me deixaram a tribo Esta tribo que é minha... Minha tribo, Liberdade... Fizeram riqueza Tiraram-me a mesa, Mesa e riqueza que tinha, Só me deixaram a tribo Esta tribo que é minha... Minha tribo, Liberdade... Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * TROVAS DA MEMÓRIA QUE PASSA “Como eu vivi a Revolução” P´ las seis horas da manhã Alguém bateu à minha porta: Oiçam, anda aí coisa torta, E o governo aflito está… Pensei ser uma patranha, Como já era costumeiro, Fiz a conta c´ o travesseiro Por notícia tão estranha. Mal refiz a madrugada Liguei logo a telefonia Não era, não, fantasia E a rua estava agitada. Grândola, Grândola, “Aqui Movimento das Forças Armadas…” As coisas estavam tramadas, Estavam, pelo que ouvi. De hora a hora o mesmo aviso Para cada cidadão Está em curso a Revolução E o governo está indeciso. Sem tempo para comer Muito menos trabalhar Fomos logo acompanhar O que estava a acontecer. Numa das mãos o transístor Na outra sandes ligeira Corremos sem tremedeira À procura de uma flor. Tome lá uma, ó vizinho, Grândola Vila Morena Oiçam agora a cantilena Qu’ antes se ouvia baixinho. Passámos p´ lo Bairro Alto Com ruas cheias de gente E vimos à nossa frente Militares em sobressalto. No cimo de uma chaimite Com megafone na mão Topámos um Capitão Dando ordem e um limite. “Acabou o vosso tempo: Ou saem cá para fora Ou, dentro de meia hora, Atiro co´ as portas dentro”. Voltando-se para o povo O mesmo arauto gritou: “Afastem-se, tudo mudou, Já temos um dia novo!” Todo o povo delirava Ao ver que ali escondidos Estavam, quais foragidos, Aqueles a quem odiava. “Um … quando disser três, Darei cabo desta laia!” Proclamou capitão Maia Erguendo a voz outra vez. “Viva!” … A malta aplaudia, “Seus assassinos, bandidos…” E com gestos desmedidos Davam largas à folia… Três rajadas de repente, Sem cair Carmo e trindades, Mas caíram as verdades Do Regime d´ antigamente. Na Chaimite os maiorais Os capitães algemaram E as tiranias findaram Para não voltarem mais! Frassino Machado In MUSA VIAJANTE * ABRIL - SER OU NÃO SER MÁSCARA “Às máscaras de Abril” No cortejo das avenidas Em cada rosto a sua dor Passa Abril às escondidas E ninguém lhe dá valor. Palavras e mais palavras Desnudam-se as duras vidas Da multidão são escravas No cortejo das avenidas. Justiça, saúde e pão, As faixas suam fervor, Desemprego, educação, Em cada rosto a sua dor. Há canções de impropério Em tons de cores garridas Ao ritmo do despautério Passa Abril às escondidas. Com rosto desfeiteado E num corpo sofredor Anda o sonho acorrentado E ninguém lhe dá valor. Já reclama o país todo No barulho da fanfarra O poder cumpre a seu modo Pouca uva e muita parra. Corre sangue, correm lágrimas, Como narra a velha crónica, Com um olhar a deitar chamas Já lá vem a fiel Verónica. Àquela turba, espantada Do rosto de Abril chagado, Mostra a máscara estampada Em seu véu esbranquiçado. Ó alma da juventude Que buscas sustentação Como exemplo de virtude Aproveita esta lição. Vós, maiorais e coronéis, Que em Abril ferrais o olho, Ide pondo, e não tardeis As vossas máscaras de molho! Frassino Machado In MUSA VIAJANTE * MÁSCARAS Estão no palco os artistas P’ ra fazerem recital, Largos gestos, lindas vistas, E no fim é Carnaval! Máscaras, Sempre nascidas e tingidas e vestidas Máscaras, Sempre voltadas e mudadas e rasgadas! Vai no adro a procissão, Cada rosto é sinal, Belas frases no guião E no fim há Carnaval! Máscaras, Sempre nascidas e tingidas e vestidas Máscaras, Sempre voltadas e mudadas e rasgadas! Vai na rua a maralhada, Tanto bem ou tanto mal, Só se salva desta alhada Quem conhece o Carnaval! Máscaras, Sempre nascidas e tingidas e vestidas Máscaras, Sempre voltadas e mudadas e rasgadas! Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * EMBAIXADORES DA MORTE Não viram por aí? Não viram por aí? Os senhores da capa negra Que não pensam senão em si. Não viram já passar? Não viram já passar? Os senhores da capa negra Que só pensam em matar... Os embaixadores da morte, Os embaixadores da morte: Sem olhos, sem mãos e sem norte! Sem olhos, sem mãos e sem norte! Sem olhos, sem mãos e sem norte! Não viram por aí? Não viram por aí? Os senhores da luva negra Que só vivem para si. Não viram já roubar? Não viram já roubar? Os senhores da luva negra Que só vivem para lucrar... Os embaixadores da morte… Sem olhos, sem mão e sem norte! Não viram por aí? Não viram por aí? Os senhores da alma negra Que só sentem para si. Não viram já arder? Não viram já arder? Os senhores da alma negra Que só sentem ao morrer… Os embaixadores da morte, Os embaixadores da morte: Sem olhos, sem mãos e sem norte! Não viram por aí? Não viram por aí? Os senhores da mente rasa Que não vêm um “til” de nada. Não viram já acabar? Não viram já acabar? Os senhores da mente rasa Cuja vida é contestar... Os embaixadores da morte, Os embaixadores da morte: Sem olhos, sem mãos e sem norte! Sem olhos, sem mãos e sem norte! Sem olhos, sem mãos e sem norte! Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * NÃO VENDAS O PENSAMENTO Amassa o pão que comes No sal do teu suor: Verás como é diferente O seu sabor! Não vendas o pensamento Para comprar posição, Não sejas vil instrumento Escravo da opressão: Trabalha, Semeia, Ensina E ama! Na terra do futuro, Sementes de valor, Verás crescer o trigo Ao teu redor! Trabalha… Na tua dignidade, A força de ser homem, Verás como os abutres Não te comem! Trabalha… A construir na paz, No amor e na verdade, Assim conquistarás A Liberdade! Trabalha… Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * CANÇÃO DA MULATINHA Ouvi falar da cidade Com ruas grandes e belas, Eu tinha uma cabana Sem portas e sem janelas. Sou pobre Deixei os filhos pra lá do mar, Só trouxe Sonhos de esperança P´ ra lhes levar! Me chamam mulatinha E não tenho amor! Ouvi falar da cidade Com meninos engraçados E os meus já nem têm pão E morrem de frio, coitados. Sou pobre... Ouvi falar da cidade Mas nada cá encontrei: Se os outros são tão felizes Porque é que eu não serei? Sou pobre... Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * PODEM PENSAR QUE EU MORRO Se eu canto a Paz na Terra Se eu canto a Paz na Terra Virão os senhores da guerra Para me matar... Se eu canto o pão mendigo Se eu canto o pão mendigo Virão os senhores do trigo Para me ceifar! Podem pensar que eu morro Podem pensar que eu morro: Mas a Voz da Verdade Ninguém a pode matar! Ninguém a pode matar! Ninguém a pode matar! Se eu canto amor fraterno Se eu canto amor fraterno Virão os senhores do inferno Para me queimar... Podem pensar que eu morro… Se eu canto a Liberdade Se eu canto a Liberdade Virão os senhores da “grade” Para me encerrar! Podem pensar que eu morro… Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * OS MORCEGOS Os morcegos bebem tudo Bebem tudo os morcegos: É a noite a sua cor... Bebem tudo os morcegos!... Tiraram-lhes os seus olhos Mas deixaram-lhes a noite, Tiraram-lhes as suas garras Mas deixaram-lhes a força. Os morcegos bebem tudo… Cortaram-lhes as suas asas Mas deixaram-nos voar, Cortaram-lhas as suas penas Mas deixaram-nos viver. Os morcegos bebem tudo… Feriram-lhes o seu peito Mas deixaram-lhes o ódio, Feriram-lhes a justiça Mas deixaram-lhes o fogo. Os morcegos bebem tudo… Alertai-vos dos morcegos Que vos rondam pela noite, Pretendem beber-vos tudo Para que não tenhais luz! Os morcegos bebem tudo… Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * MEU PAÍS LIBERTO Meu País liberto Pela madrugada Na força do povo Há muito sonhada. Meu país guardado No fundo da arca Coberto do tempo Do tempo sem marca. Meu país cansado, De peito fendido, De rosto velado E até esquecido. Meu País liberto… Meu país mazela, Herança da guerra, Nos filhos roubados Tirados à terra. Meu país sem rumo Perdido na história, De gente tristonha Sem gosto à vitória. Meu País liberto… Meu país gerado E feito criança É teu o caminho Que trilhas na ‘sprança. Meu país gigante Irás na aventura Correr mil veredas E fazer figura! Meu País liberto… Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * PAÍS NOVO Todos unidos, Filhos do povo, Vamos cantar Pela cidade. Construiremos Um País novo Com pedras vivas De Liberdade! Não, não vamos ficar A cruzar os braços. Temos de caminhar Pelos nossos passos. É tempo de pensar E de descobrir Que somos iguais. É tempo de mostrar Que o que já passou Não virá jamais! Todos unidos... Não, não vamos fazer Coisas por fazer: Temos de reflectir Que há muito pra viver. É tempo... Todos unidos... Não, não queiramos lutas Que o ódio traz: Temos que conquistar O direito à Paz! É tempo... Todos unidos... Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * HINO DO TEMPO NOVO Venham todos pelas ruas Pelos vales a cantar Tragam flores e sorrisos E não façam o sol parar. Gente nova, gente velha, É preciso coração. Mãos cerradas, para a frente, E cantando esta canção: Guerra, não à guerra! Morte, não à morte! Somos povo forte A esperança nos sustém! Paz, sim à paz! Pão, sim ao pão! Vamos em união Que não falte cá ninguém! Foram tempos já passados, Vamos todos construir. Preparemos o caminho Que o futuro vai florir. Gente nova, gente velha, É preciso coração. Mãos cerradas, para a frente, E cantando esta canção: Guerra, não à guerra! Morte, não à morte! Somos povo forte A esperança nos sustém! Paz, sim à paz! Pão, sim ao pão! Vamos em união Que não falte cá ninguém! Frassino Machado In MENSAGEIRO CANTANTE * A UM ABRIL CONFINADO «Ao 25 de Abril de 2020» Um 25 de Abril desfigurado Lá p´ ras bandas de S. Bento Faz um papel de confinado No interior do Parlamento. Indiferentes ao mal do país, Que se encontra amargurado, Lamenta-se ver tão infeliz Um 25 de Abril desfigurado. Diz o povo, e com plena razão, Quando pensa no que vai dentro Dum convento: que bela é a lição Lá p´ ras bandas de S. Bento! Cada membro do Parlamento, Quer ele seja ou não deputado, Se não tem bom comportamento Faz um papel de confinado. Vem para fora o que se diz, Naquela encenação por dentro, Mas espelha-se todo o País No interior do Parlamento. Mazelas atrás de mazelas Passam por lá, como rosário, E observa-se pelas janelas Tudo o que lá vai de ordinário… Já vai bem longe a dignidade De um cenário de celebração E agora encena-se a variedade De rituais, do pé para a mão. É trivial se são muitas ou poucas As pessoas para celebrar, Porque sempre há orelhas moucas Que se não querem hipotecar… Deixem-se todos de fantasias, Quer se ame ou não o 25 de Abril, E restaurem-se cravos e magias Desinfestando-se aquele Covil. É este ABRIL que lhes dá o pão, É este ABRIL que lhes dá Liberdade, E o papel de toda a nobre Nação É exigir-lhes Responsabilidade. Frassino Machado In RODA-VIVA POESIA * AI ABRIL, ABRIL! – Frassino Machado Abril, Abril, um, dois, três, Palavras e mais palavras, Só é mesmo bom português Quem aceita Abril de vez Sem ideias, feito escravas… Sempre diferentes, mas iguais Em todas as ocasiões, Mas lá dizem os manuais Uns têm menos, outros mais E ninguém perde, nem a feijões… Quem tem unhas toca guitarra, Toca flauta ou castanholas, Dia e noite é só fanfarra E, sem energia nem garra Não há coelhos nem cartolas. Abril, Abril, quatro, cinco, seis, Haja direitos, assim e assim, Há muitos servos e alguns reis, Que, pra dar a volta às leis, Basta um pó per-lim-pim-pim… Não há omeletes sem ovos Mas todos querem mandar, Sejam velhos, sejam novos, Quaisquer que sejam os povos, Basta dividir pra reinar. Abril, Abril, sete oito, nove, Fica-se sem chegar a dez Pois já não há quem o prove. Diz o rico: vai ver se chove Ou … desanda a quatro pés! Ter Abril é ter embaraços, Não há dinheiro que chegue E em todos só há dois braços, De boa-fé ninguém dá passos E, se dá, o diabo qu´ o carregue… - Ai Abril, Abril sem pressa, Letra morta à frei Tomás, Tudo lindo quando começa Mas, depois, perdes a cabeça: Dás passo à frente e dois pra trás. - Em ti já ninguém acredita, Quem se goza é o explorador Que não passa de parasita: Trabalha pra sua marmita E, tu… vais de mal a pior! Sem Abril não há Revoluções, Nem há cravos nem fantasia, Há menos pão, mais ilusões E grita-se, a plenos pulmões: Para quando a Democracia? Frassino Machado In ODIRONIAS * BALADA DA EMIGRAÇÃO “À Catarina Salgueiro Maia” Do meu País eu me apartei Ao clarear da madrugada E nas asas do Sonho busquei A minha vida melhorada. Não foi fácil a decisão E parti um pouco à deriva, Como não sou de dizer não Fiz uma aposta decisiva. Meu país nunca me ajudou A criar um projecto seguro E logo de mim se apossou Um receio do meu futuro. Porém, não estava sozinha, Eu tinha dois filhos nos braços, E a ideia que da alma me vinha Era livrar-me de embaraços. Nada para mim era segredo, Co´ a ajuda do meu companheiro Agarrei-me ao trabalho sem medo Esforçando-me o dia inteiro. Lá longe, no seio da Europa Cruzei-me com mais camaradas E, laborando de vento-em-popa, Ganhei vida em pequenos-nadas. Eu fui servente em mil cafés E, até, dama de companhia Corri mil sítios de lés-a-lés Em toda e qualquer serventia. Apesar dos estudos que tinha Não receei qualquer profissão, Ganhar a vida é que convinha Dedicando-me com prontidão. Sei bem que há gente complicada, Sempre embrulhada em quezília, E, como não volto a cara a nada, É bom para mim e minha família. Apesar de eu não ser rica Vou ganhando o que preciso, Ajudo os outros, e bem me fica Sem que me perca em prejuízo. Se volto um dia ao meu país? Olhem, talvez sim, talvez não, Cá dentro de mim algo me diz Que um dia virá outra paixão! Eu sinto-me qual andorinha Que volta sempre com saudade, Quero seguir minha estrelinha Sempre ao calor da liberdade! Frassino Machado In OS FILHOS DA ESPERANÇA * O CAPITÃO INJUSTIÇADO «À memória de Salgueiro Maia» Ó tu, digníssimo e nobre Capitão, Salgueiro Maia, tens nome de história Na arca firme da popular memória E na alma dos filhos da Nação. Se fosse vivo o poeta de eleição, Em testemunho da lídima vitória, Uma Epopeia cantaria em glória Aos altos feitos da tua decisão. A ti te deve a Pátria justos louros, P´ lo teu ideal e por tua valentia Que abriu as sendas da democracia Cimentando valores imorredouros… Mas, ó destino trágico e notório, Foram por sorte os tristes maiorais Que da alma negra exibem os sinais, Que maltrataram o teu sonho inglório… Voa, ó Capitão, mas sem galardão, Como o poeta e o Cônsul, eis teu fado, Voa, sim, como um herói injustiçado, Quem sabe, até ao céu de um Panteão! Frassino Machado In A MUSA VIAJANTE * QUO VADIS ABRIL? Depois de tantas ruins encruzilhadas Depois de um louco sonho primaveril Depois das duras lutas incendiadas Onde estás tu, atque quo vadis Abril? Depois das vãs promessas apostadas Depois de um juramento tão viril Depois de tantas leis espezinhadas Onde estás tu, atque quo vadis Abril? Tantos sonhos testados e favores, Tantas fianças e paixões sentidas Pra tudo se perder em desamores… Já foram várias décadas vencidas, Ao sabor de marés multicolores Com brisa de feições desvanecidas… Ó Abril, quem te viu e quem te vê, Ó Lusa Pátria, quem fartou de horrores A tua Alma, que nem sabe PORQUÊ? Frassino Machado In NOVO MONTE ALVERNE * OS CRAVOS DE ABRIL – Frassino Machado «À Conceição Oliveira» Coitados dos cravos, Conceição, Eles são mesmo inocentes: Não têm culpa desta Nação Ter assim tão fracas gentes. Os cravos são belas flores Que simbolizam a bondade, Da Revolução os mentores Chamaram-lhes Liberdade. Não estão “murchos nem abalados” Nem sequer perderam vontade Sentem-se só desprezados E roídos pela saudade… À sua maneira têm voz Num desconcerto contrito Por isso é que dentro de nós “Respira o vigor de um grito”. Disse o Poeta com todo o prazer Palavras de sinceridade: “Não hei-de morrer sem saber Qual a cor da Liberdade”… Foi um poeta pelo mundo Com alma grande e viril Que profetizou, e bem fundo, Os loucos Cravos de Abril! Frassino Machado In JANELAS DA ALMA *** 25 De Abril de 2020 Frassino Machado F I M
FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 25/04/2020
Alterado em 01/05/2020 |