EM TEMPO DE CRISE 03
O CONTO DAS CALÇAS AZUIS
“Prós meninos irrequietos” Quando eu era ainda pequeno E muito, muito irrequieto, Raramente estava sereno E, por vezes, achava-me esperto. Em vez de cumprir a obrigação De à hora da sesta deitar, Eu, puxando p´ lo meu pião, Fiquei no terreiro a brincar. Minha tia-avó, mais que esperta – Que me tratava por “diabrete” – Chamou-me logo, muito inquieta, Ameaçando-me co´ um raspanete: “Anda p´ r´ aqui, diabo de petiz Que me não deixas sossegar, Quer´ s ouvir o conto das calças azuis, Ou quer´ s uma palmada apanhar?” Eu, que até era interesseiro E bastante brioso por mim, Respondi logo muito gaiteiro: «O conto das calças azuis», sim… - Mas tem que me dar sopas de mel, Daquelas qu´ a avó sabe fazer. Meta-as aqui neste papel Para, mais logo, eu as comer… - Mas, olha lá, ó diabrete, Tu não me faças afligir, Lava já as mãos co´ sabonete E vai-te deitar para dormir! - Conta-me o conto das calças azuis, Aquele que começa e nunca acaba? - Conto-te esse conto, qu´ eu própria fiz, Quando na minh´ escola andava… - Comece lá então. Era uma vez… - Não é assim. É: quer, s que te conte… - Já sei… o conto das calças azuis! - Está bem… Fui com um cântaro à fonte… - Quer, s ouvir o conto das calças azuis? - Vá, ande, conte! Já me estou a aborrecer! - Na fonte, encontrei lá o sor Luís A dar pancada na mulher… - Ah, coitada, coitada, e não chorou? - Quer´ s que te conte, ou não, o conto? - Sim! Mas o sor Luís com ela casou… - Casou, é claro, mas não dava desconto! - Mas, oh avó, ande lá co´ a historieta! - Quer´ s ouvir o conto das calças azuis? - Pois sim, conte lá, e não seja forreta… - Ia eu a meio da ponte e ouvi, ó Luís? - Era a tia Zefa a berrar: ó Luís, Caíram-nos as duas cabras ao rio E eu, também ia caindo por um triz… - Ah, sua marreca, estás presa por um fio! - Ah, então por isso é qu´ ele lhe bateu… - Quer´ s ouvir o conto das calças azuis? - E então daí, alguma delas morreu? - Uma salvou-se, segundo se diz… - E a outra? Foi pelo rio abaixo? - Sor Luís foi lá, ele é levado-da-breca: - Ai Beca, também sais, não te deixo… Em vez de ti, antes fosse a marreca! (Eu, ao ouvir isto, comecei-me a rir Por causa do diabo daquele home Que adorava as cabras mugir Para com elas não terem fome… ). - Mas, ó avó, ele sempre salvou a cabra? - Ele disse: como saiu uma, que saia a outra… Quero mais às cabras do que à lavra! E tu, ó marreca, vê lá se te afoitas! - Então, o conto já vai em meio ou não? - Quer´ s ouvir o conto das calças azuis? - Aquelas cabrinhas eram o seu pão, O seu leitinho, qu´ é como quem diz… - Ó avó, as calças do sor Luís eram azuis? - Ora vês como chegaste lá? E a tia Zefa Lavava-as nas poças do chafariz De volta co´ a costumada tarefa. - Mas, as calças não perdiam a cor? - Pois, cá está o mais interessante, E é o que faz o conto ser maior, Mas isso fica mais para diante… - Mas, o que é que se passou então? - Sabes, eles tinham dois filhos gémeos E, por azar, deram um trambolhão Quando estavam a jogar aos prémios… - Ai, conta, conta, como é que foi isso? - Estavam lá, também, jogando ao pião E, de repente, perderam o toutiço E caíram os dois pro poceirão. - É preciso azar. E depois, e depois? - Foi lá o sor Luís, muito enervado, E, conseguindo salvar os dois, Deitou a culpa à marreca, coitado. - Ai marreca, marreca velhaca, Não vales nada de nada, mulher, Porque tu és mesmo muito fraca Contigo acabo, um dia qualquer! ………………… - Quer´ s ouvir o conto das calças azuis? ………….. Quer´ s, ou não te estás a interessar? As calças suspensas no chafariz Com o azul, meio a desbotar… Os gémeos, a tia Zefa os mandara Comprar cotim ao armazém… Mas, mais de uma hora passara E deles, ninguém sabia, porém… Em vez do cotim ir comprar Foram os dois pra beira-rio Para com o seu pião jogar, Um e outro, feitos ao desafio… O que se deu, está-se mesmo a ver, Depois de caírem ao poceirão, O pai e a mãe com raiva a ferver Quase se mordiam de aflição. - Parece que não tendes pai nem mãe, Ide já pra casa, mandriões: Não vai haver cotim, pra ninguém, E calças azuis… nem a feijões! ……………. Claro que a história iria continuar… Mas, virando-me para o outro lado, Dei comigo, meio a dormitar, Pois qu´ estava muito ensonado!... Frassino Machado In AO CORRER DA PENA
FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 17/03/2020
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