CANTO DE FRASSINO

Os meus horizontes são de Vida e de Esperança !

Textos

MISSIVA A RUI TELO
(Em resposta ao “soneto alexandrino” UM SÓ JUSTO,
Sobre a «descrença na Humanidade»)

Proposição inicial – “Meu caro amigo. Obrigado pela tentativa. Bem gostaria que assim fosse. Mas o meu amigo sabe que não sou crente e para mim a bíblia é uma mitologia como qualquer outra misturada com alguns factos históricos. Abraão nem era judeu. Nasceu em Hur, na Caldeia, Mesopotâmia. Pirou-se dali cedo, mas daí a ser o pai das religiões do livro… a humanidade, ao tornar-se inteligente, começou a estragar o tal equilíbrio de que fala. Lembre-se que o ser humano não nasce inteligente. Crie um bebé com macacos e veja o resultado. Torna-se inteligente pela vida em comunidade e a comunidade desenvolveu-se devido ao seu excepcional código fonético (genético?) e a possibilidade de construir objectos. Somos os únicos que temos oponência do polegar aos outros dedos todos, nem os outros primatas o conseguem. Deveríamos ter sido o supra-sumo das espécies, mas depressa estragámos tudo devido à ganância, racismo e religiões. Vou continuar descrente nesta desgraçada humanidade… o meu Amigo faz parte dos bons. Pena haver poucos.”

Rui Telo, coronel do exército


Meu caro coronel e amigo, tendo descoberto na sua mensagem duas tendências fortes argumentativas, uma de carácter historicista tradicional e outra de teor antropológico e socializante, esboçando entre elas uma forma sensibilizante acerca da objectividade do mito, inicio de imediato a resposta à sua missiva.
Quanto à primeira – referente à personalidade patriarcal de Abraão – dir-lhe-ei, é certo, que propriamente este personagem não seria judeu, mas todas as investigações de exegese documental (ao longo do século XX) o dão realmente como o seu antepassado mais próximo. Oriundo da Caldeia, de Ur, daí não se “pirou” (fenómeno compulsivo, causado provavelmente pelas catastróficas cheias aluviais dos grandes rios da zona, coincidente quem sabe com o mítico dilúvio), antes emigrou de terra em terra, como era usual na sua tribo semita, a qual sabe-se hoje que era seminómada, à procura de condições climáticas ideais. Essa deriva durou várias gerações e desenvolveu-se através da Assíria e da Anatólia, até atingir decididamente a fixação temporária quer no Líbano, no Egipto, ou algures, na Palestina, ou mesmo na Arábia, tudo terras da Promissão.
Dessa experiência e convivência históricas derivaram duas grandes realidades sociológicas: os hebreus e os árabes. Relativamente às religiões do Livro, quer na Tora como no Alcorão, não é fácil destrinçar o que é histórico, lendário ou até mítico. Uma coisa é certa: a principal preocupação dos patriarcas, profetas e mentores da administração dessas comunidades era fazer realçar toda uma mentalidade condutora que vincasse decisivamente a unidade sociológica. Daí resultando o contributo dos valores tradicionais dos antepassados próprios, entre os quais sempre saiu em destaque a crença num destino messiânico. Esse era o grande carisma dos chefes vanguardistas. Tal aconteceu com Abraão.
Ora, no meu soneto, eu inspirei-me num “episódio circunstancial” que aparece, na Bíblia, como noutros livros sagrados daquela época (foi a época da grande divulgação da primitiva arte literária – 4.000 a. C. até 2.500 a. C.), segundo o qual vem realçada essa mística muito própria da «sobrevivência humana». Neste contexto, o que eu quis destacar foi, prioritariamente, o tremendo papel que podem ter as convicções dos seres humanas, no que diz respeito à sua manifestação como identidade colectiva. A memória dos Povos adopta como que uma espécie de gravação endémica (residindo aí a alma da cultura) que é ciclicamente activada aquando das ocorrências dramáticas. É uma realidade insofismável que dá vida determinante a toda uma filosofia de existência.
Este esclarecimento, se é que o foi, não só assenta em pressupostos históricos, como é típico de uma outra história: a história das mentalidades.
Quanto à segunda tendência que apresenta – a antropológica/socializante – quero dizer-lhe que as teses que ilustrou, em certa medida e na minha opinião, tendem a estar um pouco ultrapassadas, embora, como é óbvio, façam parte de um importante acervo científico-cultural.
As primitivas especulações antropológicas, desde Engels, Oliveira Martins, e outros, sejam elas essencialistas, estruturalistas ou fisiologistas, estão sendo paulatinamente ultrapassadas pelas darwinistas, teilhardistas, damasistas, etc. as quais assumem hoje em dia que o ser humano, e no seu todo a Humanidade, evolui dentro de si mesmo, numa relação íntima com a Natureza, e não por causalidade com a acção do meio, propriamente dito. Daí que a visão/consciencialização das coisas e a monitorização da vontade, pela sensibilidade e atitude, podem conduzir a grandes transformações das personalidades e/ou à optimização dos meios/instrumentos.
Conclusão 01 - Defendo que a Crença e a Vontade, por si, são os verdadeiros combustíveis da acção humana. Por outro lado, os insignes pensadores ao longo da história – sejam eles essencialistas ou mesmo materialistas - sempre têm defendido, de uma ou de outra forma, este mesmo paradigma. Para reforçar esta constatação lembremos ainda o consagrado ditame humanista que diz: querer é poder.
Conclusão 02 – A Humanidade define-se como «em viagem» e não está perdida, antes vai-se transformando, tendo em conta os diferentes caminhos de opção, sugeridos pelo progresso. Todavia, como também diz outro ditame de tradição latina (da qual nós descendemos): todos os caminhos vão dar a Roma.
Conclusão 03 – Compete aos seres viventes, que somos nós (sem esperarmos, aqui sim, míticos sebastianismos), sermos capazes de assumir o nosso papel: conhecer bem o chão que pisamos e, a partir disso, agir em conformidade.

Um grande abraço caro ilustre camarada e amigo, coronel Rui Telo, do semprAodispor

Assis Machado/Frassino Machado
FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 19/12/2013


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