CANTO DE FRASSINO

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Textos

"VESTIR A PELE DE CRÍTICA"
Missiva a Mª João,
À memória de Diderot

Proposição inicial  - «Não me peça, por favor, para "vestir a pele de crítica". Lembro-me bem de que o meu avô a vestiu, pontualmente, para a despir, logo de seguida, horrorizado: "Foi uma das tarefas mais destrutivas e mais ingratas que tive de cumprir, em toda a minha vida, Chininho!", foram estas as suas exactas palavras e eu penso que jamais as esquecerei... e olhe que ele, na qualidade de advogado íntegro, tinha tarefas bem espinhosas pela frente…»

Maria João Sousa, poetisa

Minha cara e digníssima poetisa, quero protestar – no bom sentido, claro – contra a sua declarada e assumida posição em desfavor de uma tarefa artística e humanista – a que se dá, vulgarmente, o nome de «crítica» – a qual, quando bem articulada e fundamentada, emerge como uma das mais nobres atitudes de qualquer ser pensante.
Partindo desta minha tese fundamentante, e excluindo todo e qualquer preconceito ideológico, pretendo por esta minha resposta à sua posição – citada em epígrafe – vincar-lhe que a perspectiva metafórica que construiu não é totalmente clara e enferma de uma razoável debilidade conceptual. Excluo neste pressuposto todo tipo de “crítica facciosa” que, estou convicto, não se aplica neste caso que relevou.
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que uma «boa crítica» é uma forma honesta de diálogo na arte da comunicação – estamos ainda, como sabe, no ano de Diderot – e é, em si mesmo, a antecâmara de toda a sabedoria. Não é minha intenção ilustrar, pode crer, este meu arrazoado com as teses do filósofo, em Carta sobre os Cegos para Uso dos que Vêem, não.
É que «crítica» constitui o suporte da “criatividade” e de “criação”. Porque estas duas derivações completam-se na acção de toda a arte e, consequentemente, de toda a Poesia. Originalmente “fazer crítica”, a verdadeira crítica, nada mais é que  reparar nas “coisas”, isto é, senti-las e, no seguimento deste exercício, seleccionar (krinein, do grego, significa joeirar, escolher entre o que é banal e o que é substancial) o que elas têm de melhor. Ou seja, este exercício é o mais justo paradigma da valorização estética de toda a arte.
Em segundo lugar, fazer crítica não é “vestir nenhuma pele”, seja lá do que for (isso seria representar, fazer teatro, esboçar ficção, falsear…) antes, pelo contrário, trata-se de uma atitude que, caminhando através de uma floresta de ideias, vai à procura da mais bela árvore e dos mais saborosos frutos. É assim que eu entendo a arte da comunicação.
Como resultante da metodologia personalizada, aqui expressa, confesso serem fundamentais o desenvolvimento e o empenhamento de uma preparação, a nível do saber geral e não só, que conduzam à clarividência das ideias e permitam a resolução de soluções actuantes e objectivas. Esta é, no meu entender, a grande responsabilidade do artista e, desta forma, consideramos como sustentável e recomendável a «boa crítica».
A minha cara amiga trouxe à recordação uma atitude puramente circunstancial, tipo episódio conjuntural, ocorrido com o seu ilustre avô – também lídimo vate da nossa literatura – durante o qual ele terá confidenciado  “ter ficado horrorizado” com o “vestir a pele de crítica”. Longe de mim pensar que ele não fosse capaz  de debater qualquer situação (até pelo mister da sua profissão) fosse ela qual fosse. Mas, sinceramente, acho que uma coisa são episódios conjunturais, as mais das vezes com substância irrelevante, outra as “coisas” vistas no seu concreto. Há que entrar nelas, pô-las à prova e ajuizá-las com propriedade. Daí que a posição do insigne pensador, seu ancestral, nada mais teria sido do que um desabafo ingénuo de ocasião.
Com o testemunho deste meu “manifesto” partilho aqui e agora a minha singela contribuição a qual vai no sentido de ajudar a esclarecer, de uma forma mais aberta e despretensiosa, a justa vocação do artista e do poeta genuínos. Tive em mente, por outro lado, a consecução de um objectivo solidário assente no esforço de desanuviamento de um ideário fracturante e inibidor quanto ao papel carismática que toda a Crítica deve simbolizar na vida existencial de cada um de nós.
É com este espírito, quanto a mim, que se poderá chegar com maior consistência à verdade criadora. Identifica-se, assim, toda a metodologia ontológica desde que um Newton, um Descartes, um Leibnitz, um Marx ou até um Heidegger, contribuíram decididamente para a aurora do saber contemporâneo.
Como conclusão, quero também afirmar-lhe que o temor, a tibieza, a simulação e a perversidade, são notoriamente os principais adversários dos pensadores e dos criadores, em suma, de toda a Arte.


Frassino Machado
In “Caminhos do meu pensar”
FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 05/12/2013


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