26/07/2013 10h36
O MITO ELIS REGINA
Elis Regina, 1945 – 1982 As contestações e afirmações de que Elis Regina não costumava usar drogas não prevaleceram por muito tempo, tão pouco se manteve a teoria da conspiração que envolvia Harry Shibata e Samuel Mac Dowell. O veredicto final, divulgado pelo delegado Geraldo Branco de Carvalho, assinado pelos legistas Chibly Hadad e José Luiz Lourenço deixou claro que no corpo autopsiado da cantora tinha sido encontrado álcool etílico e cocaína, o que revelava, em princípio, embriaguez e estado tóxico, que em combinação tinham sido letais. Além dos legistas citados, a autópsia foi feita também, pelo médico da família, Álvaro Machado Jr. Confirmada a verdadeira causa da morte, vários depoimentos começaram a surgir, apontando que nos últimos tempos Elis Regina consumia excesso de álcool e drogas. Que experimentara cocaína e maconha em uma viagem aos Estados Unidos, um ano antes da sua morte. Assim, contraditoriamente, Elis Regina passou a ser a “careta” que morreu de overdose. O “Fantástico”, TV Globo, levou ao ar o clipe da música “Me Deixas Louca” (A. Manzonero – Paulo Coelho), que a cantora gravara especialmente para tema de Luiza (Vera Fischer), personagem central da novela “Brilhante”, de Gilberto Braga, estreada nos últimos meses de 1981 em horário nobre, somente após a sua morte. O programa justificou que o clipe, última gravação da cantora, feita em 3 de Dezembro de 1981, não tinha sido antes divulgado por não ter agradado à direcção da emissora, que considerou a cantora visivelmente entorpecida. Visto pela opinião pública após a morte, o clipe emocionou, e percebeu-se que o estado etéreo de Elis Regina corria do sublime ao desespero, não só anunciava o fim da mulher, mas ao grito de um ser humano denso, que se explicava somente através da sua arte. Elis Regina, carinhosamente chamada de Pimentinha pelos amigos mais chegados, nascida em 17 de Março de 1945, lançou-se cedo no mundo da música. Aos 11 anos já se apresentava no programa de rádio Clube do Guri, em Porto Alegre. Aos 16 anos, em 1961, já tinha gravado o seu primeiro álbum, “Viva a Brotolândia”. Já longe de Porto Alegre, Elis Regina ganhou o I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, numa interpretação monumental de “Arrastão” (Edu Lobo), onde movimentava os braços como um moinho de ventos selvagens, só próprio de verdadeira artista em que se tornara. Era a cantora na sua essência. Continuou emocionando o Brasil com grandes sucessos. Em vida não vendeu muitos discos, enquanto Maria Bethânia e Gal Costa chegavam ou ultrapassavam as 500 mil cópias, o último álbum em vida, “Elis”, vendeu pouco mais de 52 mil cópias. Mesmo com pouca venda, era uma das cantoras mais bem pagas no palco, além de assediada por músicos e emissoras de televisão, estando sempre presente nos média de então ou em gravação de novelas. Elis vendeu mais discos depois de morta, e até hoje, é a única cantora brasileira que nunca deixou de ter os seus álbuns comercializados em período algum. O impacto da morte de Elis Regina pôde ser sentido pela comoção que trouxe milhares de pessoas ao seu velório e funeral. A perda da cantora em 1982 deixou um grande vazio na MPB, justamente quando esta voltava a ter grande força e impacto no cenário político e social da nação. A abertura política possibilitou o regresso da canção de protesto, tirando das gavetas muitas das que foram censuradas. No álbum “Elis, Essa Mulher” (1979), a cantora gravava a música “O Bêbado e a Equilibrista” (João Bosco – Aldir Blanc), que se iria tornar o hino da Amnistia. No grande show de MPB, o primeiro programado depois do atentado à bomba do Rio Centro, em 1981, que se daria poucos dias após a sua morte, o momento programado para ela cantar foi preenchido pela apresentação de João Bosco, com a sua fotografia ao fundo. O vazio deixado por Elis Regina na história da MPB criou o mito, que por sua vez apagou para sempre o período que se seguiu à revelação das causas da sua morte. Período negro da história da intolerância no Brasil. Hoje parece confuso um momento como este, mas à altura, ser drogado no regime militar representava o que havia de mais vil na sociedade repressiva e hipócrita de então. A repressão aos entorpecentes levou Gilberto Gil e Rita Lee à prisão em 1976. O Brasil de 1982 ainda trazia os resquícios do preconceito que levou distintas senhoras de família às ruas, de rosário nas mãos, em 1964, a abraçar o golpe militar. Mais de três décadas depois da morte de Elis Regina, fica na lembrança colectiva apenas o carinho e a tristeza do povo brasileiro diante da trágica perda da “sua” cantora. A segunda morte da Diva, movida pelo preconceito ao pó que a destroçou, foi totalmente apagada, ficando apenas na memória daqueles que viveram o drama na época. Elis Regina, a mulher, deu passagem para o mito, perfeito e intocável na extensão da sua voz e do seu talento. Pesquisa e arranjo: Assis Machado Publicado por FRASSINO MACHADO em 26/07/2013 às 10h36
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