14/08/2009 15h17
PASCOAES - UM POETA PARA A ETERNIDADE
ANTOLOGIA BREVE
Sugerida por Prof. Assis Machado A MINHA MUSA Senhora da manhã vitoriosa E também do Crepúsculo vencido! Ó Senhora da Noite misteriosa, Pertence-te este livro comovido; É teu, doce mulher religiosa; Ó Dor e Amor! Ó Sol e Luar dorido! Corpo que é alma escrava e dolorosa, Alma que é corpo livre e redimido. Mulher perfeita em sonho e realidade; Aparição divina da Saudade… Ó Eva toda em flor, e deslumbrada! Casamento da Lágrima e do Riso; O céu e a terra, o inferno e o paraíso; Beijo rezado e oração beijada … ( Senhora da Noite ) FALA O POETA AO SEU AMOR Eu venho do Mistério e do Desconhecido… Por lá meu triste coração andou perdido, Nesse país que fica além dos horizontes, Da clara luz do sol, do murmúrio das fontes… Venho d’ Além do Luar, das nuvens e do Vento, Eu venho do esplendor e do Deslumbramento… Venho de percorrer o coração das cousas, Espíritos sem nome, almas misteriosas. Venho de percorrer esses lugares virgens, Onde é um sonho de luz a alma das Origens… Eu venho dum jardim distante, aureoral, Onde cresce e floresce a árvore do Ideal. Nas suas veias corre o sangue dos Poetas E é alimentada pela cinza dos Profetas. Seus verdes ramos vêm doirar a eterna luz E neles faz seu ninho a alma de Jesus… Trago-te, meu Amor, dessa árvore sagrada Um farrapo ideal de sombra iluminada, Para que faças com ele um lenço sacrossanto Que, de tudo o que existe, enxugue o amargo pranto! ( Sempre ) O POETA Ninguém contempla as coisas admirado, Dir-se-á que tudo é simples e vulgar… E se olho a terra, a flor, o céu doirado, Que infinita comoção me faz sonhar! É tudo para mim extraordinário! Uma pedra é fantástica! Alto monte Terra viva a sangrar, como um Calvário E branco espectro, ao luar, a triste fonte! É tudo luz e voz! Tudo me fala! Cismo ante o fumo etéreo que se eleva, Quando a tardinha pálida se cala, Cheia de medo pressentindo a treva… Não posso abrir os olhos sem abrir Meu coração à dor e à alegria. Cada coisa nos sabe transmitir Uma estranha e quimérica harmonia! É bem certo que tu, meu coração, Participas de toda a Natureza. Tens montanhas na tua solidão E crepúsculos negros de tristeza! As coisas que me cercam silenciosas, São almas a chorar que me procuram. Quantas vagas palavras misteriosas Neste ar que aspiro, trémulas, murmuram! Vozes de encanto vêm aos meus ouvidos, Beijam meus olhos sombras de mistério. Sinto que perco às vezes os sentidos E que vou a flutuar num rio etéreo… Sinto-me sonho aspiração, saudade… E lágrima voando e alada cruz! É tudo espaço azul, eternidade, Indefinida luz… ( Vida Etérea ) CANÇÃO DUMA SOMBRA Ai, se não fosse a névoa da manhã E a velhinha janela onde me vou Debruçar para ouvir a voz das cousas, Eu não era o que sou. Se não fosse esta fonte que chorava E como nós cantava e que secou… E este sol que eu comungo, de joelhos, Eu não era o que sou. Ai, se não fosse este luar que chama Os espectros à Vida, e se infiltrou, Como fluído mágico, em meu ser, Eu não era o que sou. E se a estrela da tarde não brilhasse; E se não fosse o vento que embalou Meu coração e as nuvens nos seus braços, Eu não era o que sou. Ai, se não fosse a noite misteriosa Que meus olhos de sombras povoou E de vozes sombrias meus ouvidos, Eu não era o que sou. Sem esta terra funda e fundo rio Que ergue as asas e sobe em claro voo; Sem estes ermos montes e arvoredos Eu não era o que sou. ( As Sombras ) A UM HOMEM Tu que desceste enfim à negra vala, Sem que ouvisses um grito ou um lamento, A grande voz do mar que nos embala, A voz dos pinheirais e a voz do vento… Tu que não viste a luz do Firmamento E nem soubeste, em êxtase, adorá-la; Tu que nunca tiveste o sentimento Do aroma triste que uma flor exala!... Tu que não choras, vendo uma flor morta Ou um pobre que bate à tua porta, No redentor suspiro derradeiro, Nunca foste, meu triste semelhante Nem por acaso, apenas por um instante, Durante a vida, um homem verdadeiro… ( Sempre ) A UMA FONTE QUE SECOU Com teus brandos murmúrios embalaste Os minutos dos meus primeiros dias. E pelos teus gemidos os contaste; Eu era então feliz e tu fugias. As minhas velhas árvores regaste, O meu jardim ao sol reverdecias… E quando as tuas lágrimas choraste, Como a dor que hoje sofro entenderias! Mas, ai, tudo mudou! Seca estiagem Bebeu, a arder em febre, as tuas águas; Versos de água cantando a minha imagem. Raios de sol que as fontes evaporam, Levando para Deus as suas mágoas, Secai também os olhos dos que choram! ( Terra Proibida ) NOITE Noite velha, por sobre A terra fria e nua, A muda ondulação Da escuridão flutua. Onde a treva é mais densa Há gestos doloridos E vultos a chorar Que perdem os sentidos. Uma chuva miúda E triste nos beirais Põe murmúrios de dor, Misteriosos ais… De tudo a solidão Extática dimana, E cada cousa veste Uma expressão humana… E entre elas e o infinito Há diálogos profundos. Enche a noite sem fim A ignota voz dos mundos… ( Dispersos ) CANÇÃO LUARENTA Vem do Marão, alta serra, O luar da minha terra. Ora vem a lua nova Que é um perfil De donzela falecida… Nas claras noites de Abril, Em névoa de alma surgida, Anda a errar. E a suspirar, Em volta da sua cova… Ora vem a lua cheia… Rosto enorme E luminoso, N’ um sorriso misterioso, Por sobre a aldeia Que dorme… Vem do Marão, alta serra, O luar da minha terra! ( Terra Proibida ) MEU CORAÇÃO Da terra uma semente pequenina Abre ao sol, em sorrisos de verdura. E o rubro raio aceso que fulmina, Rasga o seio da nuvem que é ternura. Ao longo da erma e pálida colina, Um doce fio de água anda à procura De alguma rosa angélica e divina, Abandonada e morta de secura. Meu forte coração também nasceu Para criar cantando um novo céu. Ninguém lhe entende a mística harmonia. Lembra remota estrela desmaiada Que mal se vê na abóbada azulada. Mas para um outro mundo, é grande dia. ( Terra Proibida ) A UMA OVELHA Entre as meigas ovelhas pobrezinhas Que eu guardo pelos montes, uma existe Que anda longe, balindo, sempre triste E vive só das ervas mais sequinhas. Que presentes na alma? Que adivinhas? Etérea voz de dor acaso ouviste? Que foi que tu nas nuvens descobriste? Não és irmã das outras ovelhinhas! Sobes às altas fragas inclinadas, E contemplas o sol que desfalece E as primeiras estrelas acordadas… E assim ficas a olhar o céu profundo; Faminta dessa relva que enverdece Os outeiros e os vales do Outro Mundo. ( Vida Etérea ) A SOMBRA HUMANA Quando passeio ao longo dos caminhos, Batem asas de medo os passarinhos; Escondem-se os répteis no tojo em flor. Minha presença espalha um trágico pavor Nas pobres criaturas Que vivem neste mundo, assim como às escuras! Avezinha fugindo ao ruído dos meus passos, Se o que eu sinto por ti, acaso, pressentisses, Tu virias fazer o ninho nos meus braços… Virias ter comigo, ó pedra, se me ouvisses! ( Vida Etérea ) DEPOIS DA VIDA Quando o meu coração parar desfeito Em sombra, na profunda sepultura, E o meu ser, já fantástico e perfeito, Vaguear entre o Infinito e a terra dura; Quando eu sentir, enfim, todo o meu peito A transformar-se em constelada Altura; Eu, divino Fantasma, claro Eleito, O Enviado da Vida à Morte escura; Quando eu for minha lúcida esperança, Meu próprio amor jamais anoitecido, E a minha sombra apenas for lembrança; Quando eu for um espectro de Saudade, Entre o luar e a névoa amanhecido, Serei contigo, Amor, na Eternidade. ( Elegias ) CANÇÃO FINAL Aí vem a noite velhinha: Erma sombra entrevadinha, Mal pode andar, de cansada. Já o dia se avizinha, Já desponta a Madrugada… E a noite triste e sozinha, Tão pálida e fatigada Da sua longa jornada, Deita-se e dorme… E a Alvorada É o sono bom da Noitinha… E a noite dorme quentinha Na cama que lhe foi dada… Dorme, dorme, sossegada, Noite de Deus, sombra minha, Que o teu sono é madrugada… Ó erma noite velhinha Dorme e sonha descansada… ( Senhora da Noite ) HORA FINAL Aí vem a noite… Sente-se crescer… E um silêncio de estrelas aparece. Quem é, quem é, meu Deus, que empalidece E se cobre de cinzas no meu ser? Alma que se desprende numa prece… Que suave e divino entardecer! Como seria bom assim morrer… Morrer, como a paisagem desfalece. Morrer quase a sorrir devagarinho Ser ainda do mundo pobrezinho E já pairar, sonhando, além dos céus, Morrer, cair nos braços da ternura; Morrer, fugir, enfim à morte escura, Sermos, enfim, na eterna paz de Deus! ( Terra Proibida ) O ETERNO Perante o Eterno Só vejo a eternidade, E a Humanidade vejo Perante os homens. Vendo uma rosa, vejo Flora, E o Júpiter Tonante Nas trovoadas do Marão. E um reflexo de sol, Nas águas do meu tanque, Dá-me o retrato Do Deus Apolo, Encaixilhado em pedra. E o que há de Ninfa, Ao luar, na minha fronte, Alveja, além, De líquidos murmúrios, Num silêncio Que é de prata. ( Últimos Versos ) PAZ Como ao terror do Inferno Sucedeu O horror do Nada! A inquietação moderna, A antevisão Da cósmica catástrofe, Prometida Por sábios e teólogos Apocalípticos. Divino Orfeu, vem tu, salvar-nos. Tange de novo a Lira! Amansa as feras. Que o teu cantar volatilize A estátua em bronze do Deus Marte! A esculpa, em oiro amanhecente, Sobre o mais alto Píncaro do mundo, O Anjo simbólico Da Paz! ( Últimos Versos ) F I M Porto da Paiã, Junho de 2003 Publicado por FRASSINO MACHADO em 14/08/2009 às 15h17
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