CANTO DE FRASSINO

Os meus horizontes são de Vida e de Esperança !

Meu Diário
22/06/2008 20h27
MISSIVA DE FRASSINO A REAL

Porto da Paiã, Junho 2008

Caríssimo amigo,
agradeço-lhe a sua tão benfazeja solicitude. Daqui lhe envio os melhores votos de saúde e bem-estar, para si e sua família. Fiquei contente por ter gostado do acróstico que fiz em homenagem ao nosso Digmo. Professor Agostinho da Silva. Vou enviá-lo, sim, ao Dr. Renato Epifânio já amanhã de manhã, pelo correio. Eu prometi pessoalmente enviar-lhe uns tantos Textos de minha autoria para que se possa aferir da qualidade mínima de merecerem ou não ser publicados na NOVA ÁGUIA, por exemplo. São ao todo "treze" textos seleccionados de toda a minha Poética, aleatoriamente. E vou tentar anexá-los aqui nesta mensagem para si, que é também para ficar com uma «cópia de amigos». E, quando puder, agradeço-lhe o favor de um parecer sobre este Trabalho... oportunamente, ok ?
Bem haja por me ter mandado as suas «contribuições amigas» sobre o nosso PAV. Irão constituir um útil apoio para algo que eu venha a escrever futuramente. Muito obrigado. Quero é só dizer-lhe, antes que esqueça, que numa das folhas vem indicada a data de nascimento do PAV em 1606, quando, se não estou em erro, foi em 1608. Até fui conferir em diversos autores (clássicos e outros) e todos informam o ano de 1608. Diga-me o que há de novo com esta divergência... pois posso não estar ao corrente e, assim, ficarei esclarecido.
Ficarei feliz se me enviar, então, a Ficha de Inscrição para o Congresso sobre Eduardo Lourenço e informe-me sobre as demarches a seguir para poder lá estar, como pretendo.
Já li, em primeira mão os seus dois Livros que me foram úteis para me actualizar e culturizar mais um pouco. Quanto à MORTE DE PORTUGAL parece-me que merece bem, como já lhe disse, um «seguimento» com "mais uma ou até duas etapas", porque o seu Texto está um espanto de referências científico-culturais mas, na minha modesta opinião, enferma de algumas "ausências" que eu reputo de imprescindíveis para todo aquele acervo fenomenal. Assim, ao correr da pena poderei apenas referir um ou outro ponto... apenas como reparos / dicas :
a) Parece-me haver um excessivo determinismo quando privilegia o surgimento do «espírito português» apenas na Lusitânia e em Viriato. Está abandonada (não me recordo se a referiu ou não) a tese da nossa "identidade original nórdica"... latente de igual modo em diversos pensadores. Não podemos esquecer, julgo eu, um Alberto Sampaio, um Damião Peres, Orlando Ribeiro ( do qual me recordo de nos dizer que suspeitava que o nosso mais genuíno património anímico morava para lá do Ave e do Marão...) um Paulo Merêa, um Martins Sarmento, etc. Incluo aqui neste etc, pensadores galegos e castelhanos, não esquecendo a "suspeição de interioridade" do próprio Alexandre Herculano. E não olvido por certo que o grande Sá de Miranda ( a pérola do Neiva ) "se exilou para lá do Ave", porquanto lhe parecia estar num país diferente...
b) Como lhe disse há dias, na linha da "espiritualidade e utopia" falta, mais uma vez na minha modesta e frágil opinião, a referência ao Franciscano do Alto, ou seja, Raul Brandão. Dizia deste grande escritor ("pintor da alma"), se não me engano Almada Negreiros - jovem intelectual que o admirava, no dizer de Dona Angelina - que quando Brandão saía para o Norte a alma da Capital se esvaziava fazendo subir a Casa do Alto às alturas do Marão. Referindo-se aqui ao amigo comum Teixeira de Pascoaes. A única poalha que vislumbrei no seu Texto foi a referência à "loucura do Gabirú"... o que me parece muito pouco, para tal mestre da nossa Literatura, não acha ?
c) E para não me alongar mais gostaria de lhe confessar que me choquei um pouco com a expressão agressiva de "cultura canibalista" para esse vício antropofágico patente na mentalidade lusa. Mas eu entendo a ideia! Todavia para esse evidente vício eu empregaria não a metáfora da carne mas, sim, do sangue. Com referência à alma eu acho ser o rubro líquido mais elucidativo e não a carne. Eu diria "sugar a alma" e não "comer a carne". Contudo a dinâmica será a mesma... e assim falaríamos mais de CULTURA VAMPIRISTA !
d) Acrescentaria eu, para finalizar, juntando aos quatro complexos identificados em «A Morte de Portugal» - se é que poderá ter cabimento neste contexto - um quinto: o "complexo Torquemada" ( na terminologia de um ex-colega meu professor exilado já, voluntariamente, para lá do Estige...) que evoluiu sub-repticiamente ao longo da nossa história, ao qual poderíamos apelidar de "complexo de culpa" ... derivado das circunstâncias que conduziram às derrotas não justificadas. A partir do norte de Portugal quase sempre nestas ocasiões se lança mão deste fatal argumento maquiavélico, identificado lá como a "mezinha do bode expiatório". Assim aconteceu, dando fé às lendas de D.Teresa, na Póvoa de Lanhoso; da "perna partida/ queda do cavalo", em Badajoz; do "Frade de Toledo", na pessoa de Dom Sancho II ; da "peste alfacinha", na pessoa de D. Filipa; da "Traição de Alfarrobeira", na infeliz decisão do Duque de Coimbra; da "bandeira do maneta", na patameira de Toro; do "mistério de Alenquer", na pessoa ingénua de Damião de Góis; das "barbas venerandas", na teimosia de D. João de Castro; do "imperador fantoche", na atitude frontal de Albuquerque; do "exílio fatalista", do impoluto Dom Luís de Meneses ... e por aí fora, até aos "macabros processos" dos Távoras, de Gomes Freire, Aristides Sousa Mendes e Humberto Delgado ... Nesta saga, hiberna escondida a "sanguessuga da vergonha" fazendo-se passar por vitórias as mais lamentáveis, quão inesperadas, derrotas. Daqui inferiremos uma das origens mitológicas do nosso "polémico sebastianismo" ... Quanto a nós, poderemos concluir que em todos os mitos da história, nomeadamente nos "mitos de com-tensão", derivados de frágeis e nefastas circunstâncias, há sempre um "complexo de culpa".
Quanto ao resto, bem haja pela oportunidade que me concedeu de ler o seu excelente livro que, como disse atrás, merece uma sequência letrada, conforme ao seu refinado estilo, com pompa e majestade.
Um grande abraço e perdoe-me alongar-me tanto nas minhas considerações que, como disse, não passam de humildes "dicas de circunstância".
Um abraço cordial do poetAmigo e sempre ao dispor,
Frassino Machado


Publicado por FRASSINO MACHADO em 22/06/2008 às 20h27

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