“A arte é perigosa. Mas o artista é
profundo. Dá à sua alma algo de
novo(...) Se você é fraco pode mor
rer...”
Dario Argento
Não adianta querer mudar o mundo, se não cumprimentas teu vizinho...
Não adianta querer mudar o mundo, sendo o que és para ti mesmo, não para o conjunto, o sentido ético-plural-comunitário de existires para um humanismo de resultados...
Não adianta querer mudar o mundo, vivendo para si, pensando como um ególatra no teu prazer, no teu sucesso, não nos miseráveis da rua de amargura da falência neoliberal de uma terceirização neoesclavagista...
Não adianta querer mudar o mundo, estando aí no seu puxadinho pequeno-burguês de contemplares o próprio umbigo, enquanto os fracos e oprimidos – os órfãos do fim das utopias e de algumas insaradas ideologias – estão entregues ao amoral lucro-nojo dos insensíveis que não vêem os históricos muros dos podres poderes de um capitalhordismo de muito ouro e pouco pão...
Não adianta tantos quereres. Olha bem pra ti, o que és, quando és? Sentado no trono do teu apartamento como cantou o artista, dando bom dia ao sonrisal das conquistas pífias, chorado sobre deleites derramados e tirando ouro do nariz empinado. Santa hipocrisia histérica...
Não, não adianta querer mudar o mundo, se não mudas a ti, teus familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, colegas de estudo, e ficas aí enfurnado numa toca de ratinho querendo rugir para um leão que se mostra nu, te devora a saúde de sedentário, o salário informal, a estética gabiru, a aposentadoria-vergonha dilapidada por agiotas emboabas banqueiros que reproduzes pelo consumo de personalidade que és, quando és alguma coisa parecido com gente...
Não adianta querer mudar o mundo, se não enxergas o óbvio ululante, pois que caminhas para o caos, a corda e o abismo, quando pensas que estás certo e fazes parte do antro de escorpiões de te nutre, e no entanto, como um bobo, gritas contra tudo e contra todos, não tendo moral para isso, já que quem vota em ladrão é ladrão também, ladrão de sua própria cidadania inclusive...
Choras, ris, votas como uma marionete, como um bobo da corte, o manietado garçom da santa ceia, o homo sapiens que está cego pela conquista das aparências, mas perdeste o senso, não vês os paradoxos, os contrastes sociais, os desempregados, os que nem têm um espaço nas favelas verticais, porque o contrabando informal viça e as máfias governam os governos...
Comes mortadela e arrotas peru, enquanto o bonde da história passa, a carroça do século está atolada numa falsa mudança pós-Nova Era (o verniz novo para tudo continuar como está), e és um produto na infâmia de um novo tempo que já se assoma desprezando os coitados de sempre, aqueles que não têm o calibre de um dígito na estatística do crédito...
Não és um ser humano na essência da palavra, és um cartão de crédito com uma navalha cega no teu ego doentio, és o que compras, consomes, vestes, e, mesmo querendo parecer um transgressor, um neomaldito, és igualzinho aos pilatos pós-modernos pois internamente lavas as mãos, mas no fundo “levas a mão boba” e glosas o imposto de renda, usas o produto pirata de grife jeca, tens posses que não são tuas, são de escravos asiáticos, de falsos tigres colonizados, de malocas hispano-americanas e sua mundialização deshumana da banda podre da globalização americanalhada...
És o que és. E o que és? Nada. Um zero à esquerda na contabilidade de Zeus, no projecto genoma sem futuro para o futuro de absinto, o calcanhar de Aquiles da espécie insensível, um contra-cheque sem fundo para ti e teus descendentes...Pobre de ti. Ai de ti, Planeta Húmus...
Tua mulher oficial cheira Avon, tua amante cheira detenfon, e a mosca do teu ID encontrou um garçom dentro da sopa das aparências que enganam. Aleluia, zero a zero é goleada no teu charco de estrumes corporativistas para sobrevivência possível...
Perdes quando pensam em mudar o mundo lá longe, não teu mundo interior, próximo, táctil, epidérmico, psicossomatizado entre neuras sublimados, mundo capenga, tendencioso com burrezas pegajentas, já que não existe milagre social sem distribuição de renda, sem que cada um faça sua parte ao seu derredor, olhando o outro como se a si mesmo. Saravá, Betinho.
Lembra-te de Marco Aurélio que disse:
“Pensa na totalidade de todo o Ser e na insignificante migalha que é a tua parte nele: pensa em todo o tempo e no instante fugaz que dele te cabe: pensa no Destino e como insignificante porção que dele tu és...”
Pensar não dói. E porque não pensas, talvez não sabes ainda que os vermes herdarão a terra.
Silas Correia Leite,
Poeta e escritor brasileiro,
Itararé